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  • Foto do escritorNélia Duarte

é um ar que se respira

O desassossego instala-se e eu penso e inicio demasiadas coisas para que lhes consiga dar prossecução. Usar a imagem provoca-me um frenesim, porque me parece sempre que há ali muita coisa com potencial e eu fico sem saber para que lado me virar; é pois neste estado que, muitas vezes, me volto para a leitura, escrita ou música.


Estou a ler o livro “Norwegian wood” do Haruki Murakami; uma impressão de que já havia lido um livro dele e que poderia muito bem ter sido este assaltou-me nas primeiras páginas, contudo avancei e, por esta altura, já nem sei. Murakami regista neste seu livro o momento em que Watanabe, aos dezoito anos, (ou ele mesmo através da personagem) deixa de entender a morte e a vida em termos simples, ou seja, separadamente, para sentir a morte dentro dele onde sempre estivera desde que existe.  


Ao ler isto lembrei-me do Zé Mário, dum pastor de cabras alentejano e analfabeto que eu nunca conheci, mas acima de tudo lembrei-me do texto do João Lisboa que devem ler para melhor perceberem porque me lembrei eu disto tudo.





ao meu pai


Primeiro eu ficava apreensiva, as pessoas não o ouviam porque a voz dele não era a de outrora, no peito a cava do seu garbo era agora maior, a perna lenta, sempre em atraso, enviesava-lhe o passo, e o braço pendia-lhe inútil, um papo mole a ganhar líquidos e a perder músculo; Depois eu comecei a ouvi-lo (era eu, claro) insistindo no bom-dia ou boa tarde, apesar das pessoas estarem cada vez mais a ficar surdas.


Agora, quando me inclino no lavatório a escovar os dentes e no meu peito se recolhe a cava do meu garbo, observo, na imagem do espelho, as omoplatas do meu pai que despontam nas minhas costas curvadas, e sem ver sei que a nuca é, igualmente, uma réplica da dele; uma nuca bonita.



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